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Na quietude da Aldeia Anodi, em Brasilândia, três vozes ainda ecoam em Ofaié.

No Brasil, existem cerca de 150 línguas indígenas. Mais de 20% delas estão em risco iminente de desaparecer.

12/10/2025 às 20h29
Por: João Maria
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Na quietude da Aldeia Anodi, em Brasilândia, três vozes ainda ecoam em Ofaié.

Na Língua dos Ofaié

Na quietude da Aldeia Anodi, em Brasilândia, três vozes ainda ecoam em Ofaié. Três guardiões da palavra, todos com mais de 60 anos, que mantêm viva uma língua que já foi falada por mais de dois mil. Foi numa conversa com professores indígenas que nasceu o documentário Na Língua dos Ofaié — um gesto de escuta, memória e resistência.

Os Ofaié habitavam as margens do rio Paraná, entre a foz do Sucuriú e as nascentes do Vacaria e Ivinhema. Suas raízes se entrelaçam com a história de Três Lagoas e Brasilândia. Mas o território foi tomado, e os Ofaié, removidos à força para a Serra da Bodoquena. Só na década de 1990, quando restavam poucos sobreviventes, conseguiram recuperar uma pequena porção de suas terras. Hoje, vivem na Aldeia Anodi, no coração do Mato Grosso do Sul.

No Brasil, existem cerca de 150 línguas indígenas. Mais de 20% delas estão em risco iminente de desaparecer. Na Língua dos Ofaié é um gesto de preservação — uma tentativa de manter viva a chama de um idioma que carrega séculos de saber.

O projeto é idealizado por Augusto Cezar Astos, artista três-lagoense com longa trajetória nas artes cênicas e audiovisuais. Ao seu lado, a professora Adriana Postigo, doutora em Letras e Estudos Indígenas pela UFMS, que já registrou línguas como a Quató, empresta seu olhar sensível à produção.

O filme não se limita à fala. Ele registra também gestos, silêncios, bordados. A rotina das mulheres Ofaié aparece entre linhas e cores — bolsas, toalhas, caminhos de mesa que costuram fauna, flora e memória. Tinta industrial se mistura ao jenipapo, e o artesanato se revela como símbolo do que se perdeu — e do que ainda pulsa.

Entre os pilares dessa resistência está José de Souza, o Koi — professor, historiador, artesão e guardião da língua. Autor de dicionários e livros de mitos, ele ensinava Ofaié na escola da aldeia e segue restaurando colares, arcos e flechas, como quem reconstrói pontes com o passado.

Silvano Moraes de Souza e Elisângela Liandes, também professores, somam forças na missão de reviver o que esteve adormecido. Ele, estudante de História; ela, artesã. Dona Neusa e dona Joana, duas das últimas falantes nativas, oferecem à câmera palavras e memórias que atravessam gerações. A cacique Ramona relembra os caminhos de luta e o difícil retorno à terra ancestral.

O documentário também escuta os desafios do presente: saúde, território, alimentação. A escassez de espaços para caça e pesca e a proximidade com a cidade trouxeram mudanças nos hábitos alimentares — e com elas, doenças como o diabetes. A cultura resiste, mas pede cuidado.

EXIBIÇÕES O filme terá sua primeira exibição na Aldeia Anodi no sábado, 18 de outubro, às 16h. Em seguida, será apresentado no campus da UFMS em Três Lagoas. Depois, seguirá para festivais nacionais e internacionais, com previsão de lançamento no YouTube. Há também o desejo de expandi-lo para um longa-metragem, projeto que depende de novos apoios.

Mais do que um filme, Na Língua dos Ofaié é sim um ato de registro, mas também de escuta, reparação e que possa ser uma ponte entre gerações. A equipe já articula uma nova etapa: capacitar os próprios Ofaié para produzirem seus conteúdos audiovisuais. Que possam contar suas histórias com suas vozes, seus olhares — e que essas histórias não se percam mais.

“A língua é o maior patrimônio cultural de um povo e deve ser preservada a todo custo”, afirma Astos. E é isso que o documentário revela: enquanto houver quem fale, quem ensine e quem ouça, uma cultura pode resistir.

Para acompanhar os bastidores e novidades da produção, siga o projeto no Instagram: @nalinguadosofaie

 

        

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